Também não podia concordar mais com a mensagem final deste episódio. Ora, leiam....
Episódio 8
O
Jardim do Lago acordou com uns ruídos que despertaram os animais e a sua
curiosidade. Logo de manhãzinha, ainda o sol não tinha vencido a névoa noturna,
parou uma camioneta junto à entrada do jardim, saíram de lá dois homens e
começaram a descarregar umas “coisas estranhas”.
Pelo
menos foi assim que o pai cisne as descreveu. Levantou-se cedinho, espreitou à
porta de casa, na margem do lago, e voltou para dentro. A mãe cisne ainda tinha
a cabeça debaixo da asa. Os cisnezinhos rodeavam-na, agasalhados na palha do
ninho.
–
Acorda! Há uns homens aqui perto. Trazem umas coisas estranhas e estão a
pousá-las junto ao lago.
Estranhas
para um cisne, não para um humano – eram apenas tábuas, telhas, pregos, arames,
ferramentas. Os homens pousaram tudo no chão e começaram a ordenar os
materiais, pregar tábuas, montar paredes, enrolar arames, numa azáfama que
prometia demorar. E, à medida que iam acordando, os animais do jardim
perceberam que em breve teriam novos vizinhos.
O
trabalho dos homens durou todo o dia. Quando partiram, a obra ficou pronta. Era
uma gaiola grande, espaçosa, coberta de telhas. As tábuas das paredes não se
uniam umas às outras, tinham intervalos que deixavam ver no interior dois
poleiros de troncos grossos, um comedouro retangular de madeira e um bebedouro
redondo de barro. O pai e a mãe cisne abeiraram-se e trocaram impressões:
–
Grande gaiola! Tudo novinho, a estrear. Quem me dera...
–
Eu não gostava. Vê-se tudo lá para dentro. Nem pode um bicho estar à vontade...
–
Pois é. A nossa é mais aconchegada. Quem achas que virá para aqui viver?
–
Sei lá. Mas há de ser ave corpulenta. A casa é enorme, porta larga, poleiros
resistentes...
Como não havia resposta para as suas
dúvidas, não valia a pena perder tempo com palpites. Bateram as asas para
chamar a prole. Logo os cisnezinhos correram para junto dos pais e toda a
família foi dar um mergulho no lago.
No
dia seguinte, a mesma camioneta que trouxera os materiais para construir a
grande gaiola trazia, desta vez, os esperados habitantes. E, como ser curioso
não é exclusivo dos humanos, não houve bicho que não espreitasse para ver quem
estava a chegar.
Eram
duas belas aves, coloridas e elegantes. A mais pequena, a fêmea, tinha a
plumagem em tons de cinzento esverdeado. A outra, o macho, tinha o peito de um
azul vistoso e abria a cauda em leque de várias cores, numa pose de ostentação
que não conquistou a simpatia dos bichos do jardim.
–
Olha para ele, a pavonear-se. Tem a mania que é o melhor. – comentou o pai
pardal, do cimo do seu ramo.
– O
que é pavonear-se, pai? – perguntou um dos pardalitos.
–
Pavonear-se é passear com vaidade, para mostrar que é bonito.
– E
é mesmo. – disse a mãe, a meia voz, não fosse o pai pardal ouvir.
–
Bem podia ser mais discreto. Não gosto de bichos assim, arrogantes, que se
acham superiores aos outros.
–
Mas, afinal, que aves são aquelas, pai?
–
São um pavão e uma pavoa.
–
Ah! Por isso é que se diz que estão a pavonear-se. Agora percebi.
Os
homens levaram o casal de pavões até junto da grande gaiola, deitaram comida e
água, ficaram a admirá-los por momentos.
–
Vai buscar as placas. Já nos esquecíamos.
–
Não me esqueci. Aqui estão.
Em
seguida, numa das tábuas da gaiola, os homens prenderam uma tabuinha quadrada,
para informação de quem por ali passasse: «Pavão
azul, ave galiforme, originária da Índia».
Os
cisnes, que olhavam atentos para os vizinhos recém-chegados, viram os homens
aproximar-se. Traziam outra tabuinha e, diligentemente, colocaram-na na parede
da casa dos cisnes: «Cisne branco, ave
anseriforme, migratória».
O
pai cisne enfunou as penas com orgulho:
–
Sim, senhor. Também merecemos... Não somos menos que os pavões.
A
família dos pardais continuava no seu ramo, assistindo a tudo. O pai pardal
resolveu completar a lição do filho:
–
Estás a ver o cisne a pavonear-se? Não é preciso ser pavão... Só nós não temos
direito a placa...
–
Pai, a vaidade é um defeito censurável. Mas talvez a inveja seja pior, não
achas?
O
primeiro grito estridente do pavão pôs fim ao silêncio incómodo que se fizera
no 2.º ramo da árvore n.º 5. O pai e a mãe dos pardalitos trocaram um olhar
cúmplice: não são só os pais que ensinam os filhos, também estes têm lições a dar
aos pais.
(continua)
J. M.
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