quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

"Jardim do Lago, árvore n.º 5, 2.º ramo frente" #5

A semana vai a meio e vamos lá visitar o "Jardim do Lago" que com este episódio nos deixa a voar para além das nuvens...


Episódio 5

Para o pardalito, de tenra idade, ainda com muitos segredos da vida por desvendar, era um mistério que algumas criaturas voassem e outras só conseguissem caminhar em terra firme. Nunca tinha feito perguntas à mãe ou ao pai sobre este assunto, mas tencionava fazê-lo.
Do seu ramo via passar no jardim as pessoas e os cães, sempre no chão, a duas ou a quatro patas, mas nunca no ar. Os gatos pareciam-lhe uma espécie híbrida, entre o cão e o pássaro, porque os via dar grandes saltos de telhado para telhado, quase parecendo que voavam. Intrigavam-no, mas nunca se aproximara para investigar. A mãe recomendara-lhe cautela, que os gatos caçam pardais e outras aves. E conselho de mãe não se despreza.
– Bom dia, filhote. Já acordado?
– Acordei com uma conversa dos insetos aqui do nosso ramo.
A mãe olhou em volta.
– Onde estão? Não os vejo. Parece-me que sonhaste...
– Não, mamã. Já levantaram voo. O gafanhoto e as duas joaninhas foram juntos. E eu fiquei a pensar na maravilha que é voar... Não achas, mamã?
– É verdade, filhote.
– Mas nem todos os animais voam. Os homens, por exemplo, só os vejo andar no chão.
– Aí é que te enganas, meu filho. O homem é quem voa mais alto.
– Não compreendo, mamã. Não é isso que eu vejo.
– O meu avô dizia que o homem sempre sonhou voar. Via os pássaros no ar e pensava que havia de descobrir maneira de voar.
De repente, ouviu-se um ruído atroador e uma ave de grandes dimensões sobrevoou o Jardim do Lago. Os pardais estremeceram. O pai e o irmão do pardalito acordaram com o barulho.
– Que grande pássaro, papá! Não tiveste medo?
– Não, filho. Não é um pássaro. É uma máquina inventada pelos homens para nos imitarem. Chama-se avião.
Afinal o pai conhecia. A mãe e o irmão também. Só ele nunca vira um avião.
– Que engraçado! Avião parece o nome de uma ave grande. – disse o pardalito.
– Pois é. E tem asas e bico como os pássaros. Foi construída à nossa semelhança. – respondeu o pai – Os homens voam assim, dentro destas máquinas. Mudam de país e de continente, a grandes alturas.
– Além disso, há outras maneiras de voar – disse a mãe.
– Como? – perguntou o pardalito.
O pai e o irmão olhavam, curiosos, para a mãe, sem saberem o que ela queria dizer.
– Voar é muito mais do que bater as asas ou deslocar-se no ar. Mesmo parados, podemos voar.
A surpresa da família aumentava a cada frase da mãe. Os “miúdos” começavam a duvidar se a mãe estaria de boa saúde, se não teria batido com a cabeça em algum ramo, durante um voo mais imprudente. O pai só pensava que “as mulheres têm ideias muito estranhas”...
– Mesmo parados, podemos voar? Não foi o que disseste?
– Sim. Voar é imaginar, é sonhar, é fazer projetos... Pode-se voar em pensamentos, muito mais do que com asas. Esses são os grandes voos...
Os filhos olharam para o pai, viram-no entreabrir o bico num sorriso complacente.
Em seguida, os três viraram os olhitos curiosos para a mãe: estava em silêncio, uma pata pousada no ramo, a outra encolhida, as asas semiabertas, os olhos fechados.
O pai levantou uma asa para encobrir o bico e disse baixinho, de modo que só os filhos ouvissem:
– Meninos, não digam nada. A mãe está a voar... em pensamento.

(continua)
J. M.

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