A semana vai a meio e vamos lá visitar o "Jardim do Lago" que com este episódio nos deixa a voar para além das nuvens...
Episódio
5
Para o pardalito, de tenra idade, ainda com muitos
segredos da vida por desvendar, era um mistério que algumas criaturas voassem e
outras só conseguissem caminhar em terra firme. Nunca tinha feito perguntas à
mãe ou ao pai sobre este assunto, mas tencionava fazê-lo.
Do seu ramo via passar no jardim as pessoas e os
cães, sempre no chão, a duas ou a quatro patas, mas nunca no ar. Os gatos
pareciam-lhe uma espécie híbrida, entre o cão e o pássaro, porque os via dar
grandes saltos de telhado para telhado, quase parecendo que voavam.
Intrigavam-no, mas nunca se aproximara para investigar. A mãe recomendara-lhe
cautela, que os gatos caçam pardais e outras aves. E conselho de mãe não se
despreza.
– Bom dia, filhote. Já acordado?
– Acordei com uma conversa dos insetos aqui do nosso ramo.
A mãe olhou em volta.
– Onde estão? Não os vejo. Parece-me que sonhaste...
– Não, mamã. Já levantaram voo. O gafanhoto e as duas joaninhas foram
juntos. E eu fiquei a pensar na maravilha que é voar... Não achas, mamã?
– É verdade, filhote.
– Mas nem todos os animais voam. Os homens, por exemplo, só os vejo
andar no chão.
– Aí é que te enganas, meu filho. O homem é quem voa mais alto.
– Não compreendo, mamã. Não é isso que eu vejo.
– O meu avô dizia que o homem sempre sonhou voar.
Via os pássaros no ar e pensava que havia de descobrir maneira de voar.
De repente, ouviu-se um ruído atroador e uma ave de
grandes dimensões sobrevoou o Jardim do Lago. Os pardais estremeceram. O pai e
o irmão do pardalito acordaram com o barulho.
– Que grande pássaro, papá! Não tiveste medo?
– Não, filho. Não é um pássaro. É uma máquina
inventada pelos homens para nos imitarem. Chama-se avião.
Afinal o pai conhecia. A mãe e o irmão também. Só
ele nunca vira um avião.
– Que engraçado! Avião parece o nome de uma ave
grande. – disse o pardalito.
– Pois é. E tem asas e bico como os pássaros. Foi
construída à nossa semelhança. – respondeu o pai – Os homens voam assim, dentro
destas máquinas. Mudam de país e de continente, a grandes alturas.
– Além disso, há outras maneiras de voar – disse a
mãe.
– Como? – perguntou o pardalito.
O pai e o irmão olhavam, curiosos, para a mãe, sem
saberem o que ela queria dizer.
– Voar é muito mais do que bater as asas ou
deslocar-se no ar. Mesmo parados, podemos voar.
A surpresa da família aumentava a cada frase da
mãe. Os “miúdos” começavam a duvidar se a mãe estaria de boa saúde, se não
teria batido com a cabeça em algum ramo, durante um voo mais imprudente. O pai
só pensava que “as mulheres têm ideias muito estranhas”...
– Mesmo parados, podemos voar? Não foi o que
disseste?
– Sim. Voar é imaginar, é sonhar, é fazer
projetos... Pode-se voar em pensamentos, muito mais do que com asas. Esses são
os grandes voos...
Os filhos olharam para o pai, viram-no entreabrir o
bico num sorriso complacente.
Em seguida, os três viraram os olhitos curiosos
para a mãe: estava em silêncio, uma pata pousada no ramo, a outra encolhida, as
asas semiabertas, os olhos fechados.
O pai levantou uma asa para encobrir o bico e disse
baixinho, de modo que só os filhos ouvissem:
– Meninos, não digam nada. A mãe está a voar... em
pensamento.
(continua)
J. M.